sexta-feira, 9 de agosto de 2013

INESQUECÍVEL: CRUZEIRO GOLEOU O SANTOS E PELÉ, E DE QUEBRA LEVANTOU O PRIMEIRO TÍTULO BRASILEIRO DO CLUBE EM 1966

Os novos reis do futebol vestiam azul

Após 22 partidas pelo Campeonato Mineiro de 1965 e 6 pela Taça Brasil 1966, o Cruzeiro começou a escrever, naquele 30nov66, a página mais heróica de sua existência. Pela primeira vez, um clube mineiro podia sagrar-se campeão brasileiro.
A demolição da velha ordem do futebol brasileiro fora iniciada pelo Esporte Clube Bahia que, em março de 1960, tornou-se o primeiro campeão brasileiro de clubes ao vencer o Santos no Maracanã.

Até então, o Eixo Rio-São Paulo, tinha controle absoluto do futebol brasileiro, incluindo a seleção nacional.
Mas foi com a vitória contundente do Cruzeiro sobre o Santos que a hegemonia do Eixo foi quebrada de vez.
Cariocas e paulistas tiveram que abrir à participação de clubes de outros estados seu velho torneio Rio-São Paulo. E o mapa do futebol brasileiro nunca mais foi o mesmo.
Que Santos era aquele?
Vencedor de 11 dos 15 campeonatos paulistas disputados entre 1956 e 1969, seis vezes campeão brasileiro nos Anos 1960 (61 / 62 / 63 / 64 / 65 / 68), bicampeão sul-americano e mundial em 62 / 63, o Santos foi o maior time do mundo entre o final dos Anos 50 e o final dos 60.
Quase todos os jogadores santistas que atuaram naquelas duas partidas finais da Taça Brasil, eram de Seleção Brasileira: Gilmar, Mauro Ramos de Oliveira, Zito e Pepe foram bicampeões em 58 / 62. Pelé, tricampeão, em 58, 62 e 70. Carlos Alberto Torres, campeão em 70.
Havia ainda Toninho Guerreiro, artilheiro da Taça Brasil com 10 gols (ao lado de Bita, do Náutico) que, vestindo as camisas do Santos e do São Paulo seria pentacampeão paulista, entre 67 e 71.
Cinco gols
A história do 1º tempo tem de ser contada por meio dos fantásticos –pela quantidade e qualidad – gols da Academia Celeste. Tudo o mais que se disser, é dispensável.
A 1 minuto, Evaldo recebeu passe de Tostão no meio de campo e percebeu Dirceu correndo em direção ao gol. O lançamento saiu preciso. Quando o meia se preparava para concluir, o lateral-esquerdo Zé Carlos, tentando desarmá-lo, marcou contra: 1×0.
Aos 5, Dirceu recebeu de Evaldo e serviu a Natal. O ponteiro driblou Zé Carlos e chutou forte: 2×0.
Aos 20, Oberdan saiu jogando, perdeu a bola para Dirceu, levou dois dribles e saiu de cena. Com a visão desimpedida, o Dez de Ouros chutou violentamente de fora da área: 3×0.
Aos 39, a defesa do Santos sofreu intenso bombardeio. De dentro da área, Hilton chutou e Mauro salvou. No rebote, Evaldo disparou outra bomba, mas Oberdan impediu o gol. A terceira tentativa coube a Dirceu Lopes. Em vez de força, jeito: 4×0.
Com a palavra o autor da obra prima:
  • “Meu forte sempre foi o corte de fora da área. Como tinha muita velocidade e, naquela época, o futebol era mais solto, qualquer bola que eu apanhasse no meio de campo era um perigo para o adversário. Naquele lance, recebi a bola na entrada da área. Dei um corte no zagueiro, passei a bola do pé direito para o esquerdo e bati. Ela fez uma curva e enganou o Gilmar, que ficou agarrado na trave. Foi um golaço”. 
Aos 41, Dirceu driblou Mauro dentro da área e foi derrubado por Oberdan. Pênalti. Tostão fez inacreditáveis 5×0.
A fúria do Rei
No final do 1º tempo, a caminho do vestiário, Pelé ouviu coro provocador da torcida mineira: “Cadê Pelé? Cadê Pelé?”. O Rei acenou para a torcida com a mão espalmada. Cinco gols? Não, cinco vezes campeão brasileiro, ele explicou.
A verdade, contudo, é que, naquela noite, marcado individualmente por Piazza, Pelé não viu a cor da bola.
Pá de cal
O Cruzeiro voltou relaxado pensando em barganhar o jogo: tocaria a bola e o adversário se contentaria em evitar mais gols. Mas, ao invés de aceitar o fato consumado da derrota, o Santos foi à luta pensando em remontar o placar.
Nos vestiários, seus jogadores ouviram poucas e boas do treinador Lula:
  • “É preciso parar esta linha de qualquer forma, se não parar no grito tem que ser no tapa, na botina, não pode é continuar desta forma. Eles estão fazendo a nossa área de avenida”.
Deu certo. Aos 6 e aos 10, Toninho Guerreiro marcou: 5×2. A torcida assustou-se. Quando provocado, Pelé superava-se e remontava resultados tidos como definitivos.
Mas Tostão, Dirceu e Piazza retomaram o controle do jogo. Tocando bola com rapidez, o Cruzeiro voltou a colocar o Santos na roda. E a pá de cal sobre o pentacampeão brasileiro foi atirada aos 27 minutos.
Evaldo recebeu passe de Tostão, driblou Oberdan e chutou forte, Gilmar deu rebote. Dirceu apareceu do nada para tocar para as redes: 6×2.
Estava de bom tamanho. Daí em diante, os times limitaram-se a exibir sua técnica refinada sob aplausos ininterruptos da platéia. Era preciso economizar energias para o jogo decisivo, uma semana depois, no Pacaembu.
  • Cruzeiro 6×2 Santos, quarta-feira, 30nov66, 21h, Mineirão, Belo Horizonte, jogo de ida das finais da Taça Brasil 1966 – Público pagante: 77.325 –Público presente: 90.000 (estimado) – Renda: Cr$223.314.600 – Juiz: Armando Marques (carioca) – Bandeiras: Joaquim Gonçalves e Euclides Borges (mineiros) – Expulsões: Procópio e Pelé – Gols: Zé Carlos (contra), Natal, Dirceu Lopes, Dirceu Lopes e Tostão, no 1º tempo; Toninho, Toninho e Dirceu Lopes, no 2º – Cruzeiro: Raul, Pedro Paulo, William, Procópio e Neco; Wilson Piazza, Dirceu Lopes e Tostão; Natal, Evaldo e Hilton Oliveira. Tec: Airton Moreira / Santos: Gilmar, Carlos Alberto Torres, Mauro Ramos de Oliveira, Oberdan e Zé Carlos; Zito e Lima: Dorval, Toninho Guerreiro, Pelé e Pepe. Tec: Lula.
Armandinho x Pelé
O árbitro carioca Armando Rosa Castanheira Marques era uma celebridade. E, como tal, também resolveu deixar sua marca no jogo que o Brasil inteiro assistiu pela televisão.
Aos 30, nervoso, incapaz de se livrar da marcação pessoal, Pelé chutou Piazza. Formou-se o bolinho. Procópio pediu explicações e ouviu um palavrão. Armandinho – era como a torcida se referia ao árbitro – expulsou os dois.
Depois do jogo, Pelé estava bravo:
  • “Num jogo apitado por Armando Marques, pode-se esperar: de uma hora para outra serei expulso. É uma velha mania desse juiz, que ganhou fama justamente por visar-me mais que qualquer outro”. 
Segundo o Rei, tudo não passou de uma troca de palavras ríspidas, que não justificariam as expulsões. E, cada vez mais bravo, arrematou:
  • “Mas ele achou que era hora de mandar-me para o vestiário no jogo de ontem, que estava do jeito que ele gosta para ser vedete: público enorme e torcida vibrante”.
Procópio, que jogou com o tornozelo machucado, também protestou:
  • “Não entendo, até agora, porque fui expulso. Eu só disse ao Pelé que ‘apelar assim, não!’. Ele respondeu com um palavrão e o juiz estava perto. Pelé ainda tentou convencer o juiz que eu era inocente, que nada havia dito. Perda de tempo.”
Piazza viu um pouco diferente:
  • “Pelé foi expulso em um lance que eu participei. Ele estava desesperado vendo o time perder e entrou de sola na minha canela. Se não puxo a perna, estava quebrado. Procópio saiu em minha defesa chamando Pelé de covarde. Tiveram um bate-boca e foram expulsos”
Felício x Athiê
Nicolau Moran, diretor, e Athiê Jorge Cury, presidente do Santos, num gesto de cortesia, mandaram a Taça Brasil para vestiário do Cruzeiro. Queriam que ela ficasse em Minas até a segunda partida. Supersticioso,
Felício Brandi, não deixou ninguém chegar perto do troféu. Deu uma espiada de longe e mandou devolvê-la aos paulistas:
  • “Tá bom, é muito bonita, mas, agora que já a conhecemos podem levá-la de volta; semana que vem, vamos buscá-la em São Paulo”.
No outro vestiário, Athiê dava entrevistas:
  • “Em São Paulo, nossa vingança será terrível!”
É dinheiro que não acaba mais
A renda foi recorde no futebol brasileiro. Superou os 177 milhões do Fla 0×0 Flu que decidiu o Campeonato Carioca em dezembro de 1963. Daqueles fabulosos 223 milhões, o Cruzeiro ficou com 75%.
Mesmo assim, o clube não pagou bicho pela vitória, O título, sim, se conquistado valeria 2 milhões para cada jogador. Uma fábula!
N.B.: Dedico este post ao meu amigo Juca Kfouri que, preocupado com uma década sem ver o Corintiãs vencer o Santos, nem deve ter prestado atenção nesse baile da Academia Celeste.

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