sexta-feira, 27 de novembro de 2015

TÉCNICO MANO MENEZES FALA SOBRE MUDANÇAS APÓS PASSAGEM PELA SELEÇÃO E DA ESCOLHA PELO CRUZEIRO

Em entrevista a O TEMPO, técnico do Cruzeiro revela adaptações de seu estilo de trabalho após curso na Uefa


Embora fosse visto com relativa dúvida por alguns torcedores ao ser anunciado como técnico do Cruzeiro, em 1 de setembro, bastou dois meses de trabalho para o comandante cair nas graças da China Azul e recuperar o prestígio no futebol brasileiro, após recentes desempenhos medianos em outros clubes e na seleção. Luiz Antônio Venker Menezes passou o primeiro semestre se reciclando, no curso de qualificação de treinadores na Uefa e começou a colher frutos. 

O treinador que livrou o Cruzeiro do rebaixamento e o colocou na briga por vaga na Copa Libertadores do ano que vem, falou com exclusividade à reportagem de O TEMPO sobre a fácil aceitação que teve no time celeste e não fugiu de comentar sobre as polêmicas com a rejeição do goleiro Fábio na seleção brasileira, o aprendizado que obteve com e após o comando do escrete canarinho e como enxerga a reformulação do futebol brasileiro. 

Confira a entrevista:

Você assumiu o Grêmio e o Corinthians, quando os dois times estavam na Série B, em 2005 e 2008, respectivamente. E assumiu o Cruzeiro numa situação terrível, com o time brigando para não cair neste ano. Podemos dizer que este é o seu perfil? Um treinador que tira os times de uma situação ruim para depois colocá-lo numa condição melhor?

Eu prefiro começar um trabalho sem estar numa situação tão adversa, como qualquer treinador. Mas não fujo dessa responsabilidade. Sou um técnico de futebol, então, quando sou convidado para trabalhar e vejo que a estrutura que me oferecem é capaz de me ajudar na construção de um trabalho de qualidade, aceito, como fiz com o Cruzeiro. E quando dá certo, confirma o qualificação que o clube tem em seu elenco, o que é fundamental para fazer um bom trabalho.
O quão foi difícil foi seu início de trajetória no Cruzeiro?

Quando o clube de futebol está numa colocação que gera um grau de dificuldade muito grande, em termos de humildade, o nível está ótimo. Todas as intervenções que você faz são melhor aceitas pelos jogadores, pois o grupo está mais aberto. Tudo que a gente quis fazer, a gente fez. Coisas simples de se fazer a curto prazo, porque todos os jogadores se dedicaram para tirar o Cruzeiro daquela situação. Foi mais rápido e menos difícil do que parecia para quem olhava de fora. Tudo conspirou a favor.

Você gosta muito de treinar, com trabalhos que duram duas horas ou mais. E no jogo gosta de gritar e orientar. É esse o caminho que deveria ser adotado no futebol brasileiro?

Até penso que não sou de gritar tanto, mas, sim, de orientar bastante. O treinador tem que achar soluções, e essas soluções passam por aquilo que ele cobra no jogo. E os jogadores estão cientes disso. Quando eles sentem e entendem o que o técnico fala, acham que é coerente e tem lógica, as coisas caminham bem.

O quanto a conversa é essencial no trabalho de um técnico? Isso desmistifica o perfil do técnico gaúcho, que é considerado 'trancudo'?

Existem conversas e conversas. Existem aquelas em que a gente conta história para alegrar o ambiente. Descontraem mais os jogadores e diminuem a pressão. E existem as conversas com conteúdo didático. Essas, sim, precisam ser mais intensificadas. O jogador quer soluções para os problemas. Cabe ao técnico buscar essas soluções. O fato de eu treinar mais, e pela manhã, tem relação à alimentação do jogador. O atleta acorda tarde. Por isso, quase nunca toma café da manhã, e alguns deles não almoçam, porque dormem até tarde. Então, lá se foram duas refeições importantes. Ao fazer os treinos na parte da manhã mais vezes, nós oferecemos café da manha de qualidade no clube. E quando acaba o treino, todos têm de almoçar no refeitório da Toca. Isso é muito importante.

O quão importante foi o seu período de reciclagem neste ano e por que a opção de assumir o Cruzeiro em setembro, após tantas recusas de convites?

No primeiro semestre, havia uma possibilidade de ir a Portugal. Isso foi em maio, quando foi realizado o nível 4 do curso da Uefa. E eu queria, há muito tempo, cursar o nível 4. E me convidaram. Então, não poderia trabalhar em algum clube. A formação portuguesa é muito boa, tem se destacado. Tanto que a formação dos treinadores portugueses é reconhecida no mundo todo. Na temporada passada, tivemos cinco ou seis portugueses campeões de ligas importantes no mundo. É a confirmação na prática de que o trabalho deles é bom. E eu fui aprender com eles. Um conteúdo extremamente completo, com metodologia, psicologia do esporte, arbitragem, tudo que envolve futebol. É importante montar uma metodologia de trabalho. O europeu pega o que se passa no futebol e divide em frações. Isso te dá uma intensidade muito grande. E escolhi o Cruzeiro porque entendia que, naquele momento, era o lugar ideal para executar um bom trabalho.

O Corinthians é considerado novamente o favorito para o Brasileiro no ano que vem. O que o Cruzeiro precisa fazer a curto prazo para ficar no encalço do Timão? E a longo prazo, o que se esperar? O ano de 2016 funcionaria para continuar a reestruturação e, assim, colher frutos em 2017?

Primeiramente, o Cruzeiro, como clube, precisa ter uma ideia do que ele quer fazer com seu futebol. Os clubes brasileiros carecem de uma filosofia. Não pode ser dado ao técnico a missão de colocar uma filosofia a um time. O Cruzeiro é quem tem que ter uma filosofia e contratar um técnico que seja de acordo com aquela filosofia. Em termos de aproveitamento, na reta final deste campeonato, estamos muito parecidos com o aproveitamento dos primeiros colocados. De forma organizada, temos de dar continuidade e fazer um ano que vem muito melhor. Podemos ambicionar coisas maiores já na próxima temporada. O Cruzeiro saiu de um bicampeonato brasileiro e, quando estava na metade do Brasileiro 2015, jogava contra o rebaixamento. Tem que manter a organização.

Você pegou um calendário a favor, com poucos jogos no meio de semana. No ano que vem, tem uma competição a mais, a Copa Sul-Minas-Rio. Isso mudará muito a preparação. É mais um desafio?

Isso (poucos jogos no meio de semana) favoreceu, a curto prazo, a ter resultados melhores. Ano que vem é outra história. Teremos pré-temporada e outra situação de trabalho. Será igual para quase todos os times. Temos a Sul-Minas-Rio, que terá em breve as definições finais. Mas, mesmo assim, teremos um início de ano com calendário mais denso. Temos que preparar bem os jogadores para ganhar.

O que você prevê para a seleção brasileira? O que se esperar de um time que levou de 7 a 1 da Alemanha para a próxima Copa do Mundo?

A questão do 7 a 1 não será apagada tão facilmente. Mas também não vai ter muita influência daqui para frente. Nossos problemas estão há bastante tempo. Enquanto não resolvermos nossos problemas estruturais, teremos sempre uma seleção em transformação. Isso acontece há pelo menos 12 anos. Sempre se troca de técnico de uma Copa para a outra, ganhando ou perdendo. Isso faz com que chegue uma nova comissão técnica, com novas ideias e pensamentos diferentes. Ficamos buscando novos caminhos a todo momento. Tem que fazer como Alemanha, que discutiu o que precisava ser feito. Penso que o Brasil tem que ser assim também. Começamos a dar pequenos passos juntos, mas ainda não dá para ver muita coisa. A continuidade tem vir com bom planejamento, e isso tem que dar bons frutos.

Depois de vivência de seleção e outros clubes, você aceitaria comandar a seleção para uma Copa, seja em 2022 ou 2026?

Não tenho a intenção de voltar a trabalhar na seleção neste momento. Não é uma brincadeira de 'sai técnico, entra técnico'. Isso não contribui para uma conscientização maior na seleção. Também não vejo o Brasil com essa maturidade, pensando na Copa de 2022 ou 2026. Estamos vendo o Dunga sofrer as mesmas pressões de antes. Já se fala em troca de treinador, de que quem está melhor no Brasil pode resolver os problemas da seleção ou de se trazer técnico de fora. Nada disso resolve. Primeiramente, tem que respeitar quem está lá e dar todas as condições para ele trabalhar, porque ele é o técnico da seleção. E melhorar as condições externas e paralelas também.

O que mudou no Mano depois da seleção?

Difícil dizer o que seria diferente ou melhor. Temos sempre que melhorar. Temos que acreditar no conhecimento que se vai adquirindo. Há atitudes um pouco diferentes. E também não tem essa questão de momento. Você é escolhido, tem que dizer não ou sim à seleção. Como no Cruzeiro. Aceitei o convite numa situação ruim do time, como fiz com Grêmio e Corinthians. A vida do profissional é essa e você aceita ou não.

Um assunto que muitas vezes veio à tona era com relação ao Fábio, que é considerado um injustiçado na seleção. Você foi o único dos últimos treinadores que o convocou em algum momento. O que você via nele que os outros técnicos da seleção não enxergaram?

Eu duvido que outros técnicos brasileiros também não tenham visto as qualidades do Fábio. Mas outros goleiros também podiam ter as mesmas qualidades. E, às vezes, você faz um planejamento de faixa etária, pega um goleiro mais experiente, um intermediário e um mais jovem. Uma posição muito difícil de se procurar. Com relação a mim, tentava encontrar o goleiro adequado. E os outros treinadores também. Alguns optaram pelo Julio Cesar. Mesmo assim, foi possível levar o Fábio algumas vezes, mas é uma escolha difícil. Todo mundo quer escolher o goleiro certo, o melhor. A gente entende que o torcedor do clube queria vê-lo na seleção, pois é um ídolo do Cruzeiro. Mas é importante respeitar a opinião de cada treinador.

Você tem no currículo uma Copa do Brasil com o Corinthians, em 2009. O Cruzeiro é o time que pode te dar títulos da Libertadores e do Brasileirão?

Claro que sim. Essas questões são muito de momento na carreira de cada profissional. Tem profissional que batalha a vida inteira em busca de títulos e não os consegue num momento. Mas em outro momento, as coisas fluem. Aconteceu, por exemplo, isso com o Levir (Culpi). E nós, treinadores, ficamos muito felizes por ele, que voltou para o país e teve duas conquistas significativas no primeiro ano de seu retorno. Isso é muito importante.

Você e o Levir conversam muito? Possuem uma amizade?

Os técnicos conversam pouco no Brasil. Deveriam falar mais. Por causa da rivalidade, se protegem um pouco mais. Mas, conversei com o Levir algumas vezes na vida. E já tinha ligação com ele antes. Convidei ele para trabalhar de agente na CBF, na época em que eu estava lá. Não aconteceu, ele voltou para o Japão. Mas temos respeito um pelo outro. Ele tem o perfil de vencedor.

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